domingo, 27 de maio de 2012

Rotas Aéreas

Sempre gostei de observar aviões.

E agora, mais que nunca, teria a oportunidade de ficar o dia inteiro olhando para eles, se quisesse. Morar relativamente próximo ao Aeroporto me proporciona ouvir o barulho que eles fazem quando estão em baixa altitude, normalmente quando pousam. Descobri, por dedução, que no céu sobre a minha casa há uma rota de pouso.

Hoje, lá pelas 19h, subi no último andar da casa, lugar que eu chamo de A Torre, coloquei o fone de ouvido, liguei o celular e deixei as músicas tocando randomicamente. Abri a janela e fiquei observando o trânsito frenético da Comendador Franco, a uns 500m de onde eu estava e, que mesmo a essa pequena distância, não faz tanto barulho quanto parece. De repente, ouço um barulho de avião (mesmo com o fone de ouvido, que tinha volume baixo) e olho para a esquerda, de onde vem surgindo duas luzes vermelhas e uma branca, piscando. Fiquei observando, obviamente aquele avião estava decolando, tinha baixa altitude e estava subindo, vindo na direção em que me encontrava. Quanto mais eu olhava, mais parecia que estava traçando um curso para o norte. Quando, do nada, virou para o oeste e começou a fazer um "balão" aéreo. Enquanto isso, surgiu outro avião logo atrás, que começou a fazer o mesmo percurso. Estava tocando Hard to Starboard nos meus ouvidos. Sensação estranha essa que eu senti. Pensei que naqueles dois aviões poderiam haver pessoas que estavam deixando suas casas e famílias aqui e que jamais voltariam. Talvez tivessem pessoas indo para uma simples reunião de negócios em outra cidade e amanhã já estariam aí novamente. Ou então, pessoas que estavam fazendo suas tão sonhadas viagens ao exterior, dentro de uma aeronave pela primeira vez. 
Imaginei tudo isso ouvindo uma das músicas mais desesperadoras que eu conheço. Senti que um dia poderia ser eu, ali em um daqueles aviões, fazendo exatamente a mesma rota aérea que eles, deixando minha família, minha terra, tudo o que eu conheço, para me jogar de cabeça no sonho que desde criança tenho de viver algum tempo fora do Brasil. Em Belfast - hardtostarboard,hardtostarboard tocando -, Frankfurt ou Vancouver. Maldito desespero e sensação de vazio, pânico. A música dava um tom bem dramático em tudo. A Torre estava escura, não havia luz lá em cima que eu pudesse acender. Parecia mesmo que era eu lá no ar, voando para longe, deixando tudo para trás. Podia sentir meus dedos molhados na face e depois ver as lágrimas brilhando na minha mão, pela luz bruxuleante da rua. 
Suponho que foi nesse momento que o último avião estava já tão alto que quase não era mais possível ver suas luzes piscando, já tinha há muito terminado seu contorno aéreo e agora rumava para leste. Antes eu havia me perguntado porque esses aviões tinham que fazer essa manobra, sendo que seria muito mais fácil virar direto para a direita, sentido leste, mas depois pensei que devia ser por algum bom motivo de segurança que eu desconheço. Mas, de qualquer modo, eu continuava seguindo com o olhar as luzes da segunda aeronave, ainda imaginando que eu estava lá dentro, enquanto Hard to Starboard estava em seus segundos finais. No exato momento em que, mesmo me contorcendo ao máximo pela janela para continuar vendo o avião e ele desapareceu escondido pelo telhado da casa, a música melancólica acabou e começou a tocar a divertida Misunderstood. Foi perfeito. Foi exato. 
Fui invadida pela sensação de "pegadinha do Malandro" e acabei me perguntando como fiquei tão diferente durante os 6'51'' de Hard to Starboard. Lembrei como algumas músicas tem um poder incrível de alterar estados de espírito.

Enfim, mesmo após isso, não desisti do meu sonho de viajar para longe. A sensação de vazio foi aterrorizante, mas acho que isso as vezes é necessário para te por no chão e te lembrar que por mais perfeitos que pareçam os sonhos, eles não são um mar de rosas. (Ai que bontinho isso, tããão clichê!)

Não importa, talvez tudo isso tenha sido um mal entendido.

Um comentário:

  1. Muito bom o seu texto.

    Não sei se é impressão minha, mas, lembrou-me um certo exercício feito em sala... Deve ser impressão mesmo!

    E, para não perder a "viagem", segue um poema simbolista (coisas da profissão, fazer o quê!?):

    O Albatroz

    Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem
    Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,
    Que segue pelo azul a embarcação em viagem,
    Num vôo triunfal, numa carreira audaz.

    Mas quando o albatroz se vê preso, estendido
    Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!
    Que pena que ele faz, humilde e constrangido,
    As asas imperiais caídas para o lado!

    Dominador do espaço, eis perdido o seu nimbo!
    Era grande e gentil, ei-lo o grotesco verme!...
    Chega-lhe um ao bico o fogo do cachimbo,
    Mutila um outro a pata ao voador inerme.

    O Poeta é semelhante a essa águia marinha
    Que desdenha da seta, e afronta os vendavais;
    Exilado na terra, entre a plebe escarninha,
    Não o deixam andar as asas colossais!

    Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
    Tradução de Delfim Guimarães

    Prof. Diório

    ResponderExcluir

Se for pra comentar seja inteligente, comente bem, respeite minha opinião, exponha a sua e não ofenda ninguém.