sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A ordem natural das coisas

Efêmero, assim é tudo.
Assim é a vida.

Depois que aprendi o significado dessa palavra, em 2008, comecei a ponderar muito sobre valor dela no dia a dia da vida. Pensei sobre como tudo é passageiro, tudo aquilo que mais importa, tudo aquilo que não importa tanto assim ou tudo aquilo que mais amamos. E é principalmente nisso que a efemeridade mostra suas garras, nos machuca.

-----------------------------

Arcadia, 01:17 da manhã de 30/11/2012.

Estava pensando sobre a vida, uma reflexão que faço quase toda noite antes de dormir, principalmente quando estou de férias e não tenho compromisso de acordar cedo na manhã seguinte. Não estava ligada exatamente em "efemeridade" enquanto andava de um lado para o outro na Torre, que tem sido minha "sede" na casa nas últimas semanas, durante o tempo que a reforma do meu verdadeiro quarto está parada devido a falta de verba (e também de força de vontade), o que tem sido, inclusive, o motivo de muitas discussões em Arcadia. 
De repente, por uma razão que não sei bem explicar, acabei voltando em um ponto que tem me incomodado muito de um tempo pra cá, a tal da efemeridade. Tempo vem, tempo vai e muitas coisas passam, isso é fato. Acontece que dia 31/10, uma fase muito importante da minha vida se encerrou. Algo que me acrescentou muito, mais até do que eu seria capaz de contabilizar. Claro que, como eu disse na minha despedida, essa foi uma das poucas coisas que eu posso dizer que aproveitei ao máximo, tanto quanto pude, e não levo ressentimentos. Mas ainda assim, quando alguma coisa importante para você chega ao fim, é impossível não olhar para trás e, no mínimo, não sentir a nostalgia.

Sim, eu sou uma pessoa que tem problemas com o desapego.

----------------------------

Entretanto, já deitada na cama, um assombro me ocorreu. Algo que eu já tinha pensado antes e ainda muito me assusta, mas sempre tento jogar para debaixo do tapete e dizer como Scarlett O'Hara: "Pensarei nisso mais tarde!". Ora, o pensamento me foi tão perturbador que não consegui refrear as lágrimas, tão pouco pude continuar deitada na cama a divagar. Levantei em um impulso, desci um lance de escadas e entrei no quarto principal da casa, peguei o notebook e o carregador pé por pé, tentando não acordar meus pais, torcendo para que eles não despertassem e me perguntassem o porquê daquele assalto repentino ao quarto, e assim eu não teria de revelar que o verdadeiro motivo de tanto ímpeto eram eles mesmos.
Peguei o computador, subi novamente para meu refúgio na Torre e me coloquei a escrever esse texto. Agora já são 01:44. 

Sei que isso pode parecer muito clichê, mas acho que ainda assim, estou colocando em palavras e tornando público um sentimento que muitos possuem, mas por qualquer motivo, se recusam a externar.
Há algum tempo, percebi que estou ficando "velha", aquelas coisas que quando criança nem pensava que podia fazer, agora faço. Tipo: beber ou ir sozinha aonde bem entender. Liberdades que nunca antes achava que teria. Coisas essas que vem com o tempo. Percebi, com algum medo, que para envelhecer é necessário uma maturidade que vem junto com a própria idade em si. Não seria possível exigir de mim algum entendimento se meu corpo, hoje com 17 anos, se visse aos 70 de um dia para o outro. Acho que eu simplesmente enlouqueceria se soubesse que tal estado é irreversível. Ver a vida a ser vivida de certo modo se encurtar e se dar conta disso, sem poder (obviamente) fazer nada, exige sim um estado de maturidade que vem com o tempo.
Mas e ver que isso também acontece com pessoas que eu amo me sufoca muito mais. Ver que o tempo passa e aquelas coisinhas desagradáveis que são marca da idade; que antes só aconteciam bem longe de mim e que acontecem agora com os meus pais, é agonizante. Aquele probleminha de vista cansada, aquela dor nas costas ou os cabelos brancos e as rugas que se tornam cada vez mais expressivos, vão me dando uma nova visão da minha própria vida. Aqueles que eram (e ainda são) meus super-heróis, imbatíveis e mais sábios que qualquer grande mestre oriental, ficam ainda mais sábios com o tempo que passa para eles também. Vejo agora que eles não são uma muralha inquebrável que, quando criança, eu achei que eram. Vejo que eles são humanos e tão sujeitos a efemeridade quanto qualquer outra pessoa.

A noite me traz entendimentos que o dia encobre.

Durante o dia, penso em todos os sonhos que tenho para cumprir e a vida que tenho para viver. Penso nos meus planos para o futuro. Durante o dia, faço tudo aquilo que me compete fazer. 
Durante a noite, eu penso.

Durante a noite, lembro de todas às vezes no dia que não dei atenção para minha mãe porque queria ver alguma coisa inútil na TV. Às vezes que ela falou comigo e eu não dei bola porque estava pensando em algum ponto do meu "promissor" futuro. Ou às vezes que comecei uma briga idiota com o meu pai sobre a reforma do meu quarto que não anda por falta de dinheiro. Exijo demais deles e sei que não dou o mínimo em troca. À noite, penso que no dia seguinte vou fazer tudo diferente, vou ser a mais amável e atenciosa das filhas; mas o dia seguinte chega e faço a mesma merda, igual a todos os dias anteriores. E me arrependo disso, porque penso que talvez eu não tenha a próxima oportunidade de fazer diferente. Eu os amo. Mas por que eu não consigo mudar? Por que a inércia da minha vida me mantém na mesma situação de comodismo quando eu acordo de manhã, deixando facilmente de lado todo o meu comprometimento da noite anterior?

São tantas coisas que meu pai fazia por mim antigamente e não faz mais, por alguma razão, e que me fazem tanta falta. Sejam aqueles apelidos carinhosos ou aqueles presentinhos de R$ 1,99 que me deixavam tão feliz. Sinto falta de ser a "filhota". E quando lembro-me de tudo isso, eu penso quão LIXO são todos os meus planos para o futuro, porque qualquer coisa que venha e não esteja acompanhada disso, mesmo que a distância, é puro LIXO!
Foda-se o vestibular, foda-se a faculdade, foda-se intercâmbio, foda-se a Europa e foda-se também quem está lendo isso aqui e achando piegas, pois na calada da noite eu percebo que existem coisas muito mais importantes que o meu futuro e percebo que essas coisas, que esse amor, já está ao meu lado e eu não dou o valor devido.

É óbvio que as vezes eles me cansam, e que eu também os canso. Sei que eles têm a vida deles e por mais que eu mude agora, é inconcebível achar que agora viveremos colados uns aos outros. Nem quero isso. Só quero aquele carinho que desapareceu quando eu cresci e tomei feições e responsabilidades de mulher. Quero aquele afeto que foi sufocado com as tarefas incansáveis do dia a dia. Quero aquelas atividades de família que se tornaram quase inexistentes porque estamos muito ocupados na TV ou no Facebook. A vida é curta demais. É efêmera demais.

A noite aqui na Torre traz uma reflexão: Patrícia, mude. Antes que seja tarde demais.
Mesmo porque, agora já são 02:51.

sábado, 25 de agosto de 2012

Alter-ego - Taim i' ngra leat

Eu quase podia ver seu reflexo no espelho. Ali, perto de mim, ainda me observando com aquele olhar zombeteiro, esperando alguma reação minha para ter uma justificativa qualquer de me agarrar em seu abraço forte e não soltar mais enquanto durasse a noite. Sua presença ainda me assombrava, dia e noite, instilando pitadas de loucura no que ainda restava da minha vida, da minha sanidade. A cada minuto, podia sentir os olhos quase negros que eu tanto amei me seguindo pelas ruas da cidade, enquanto eu procurava meu caminho, do nada para lugar nenhum.
Me lembrei do dia que nos conhecemos, eu almoçando comida japonesa com o pessoal da faculdade e ele tomando uma Guinness num barzinho ao lado, na Rua 24 horas. Ele me olhava, de um jeito que nunca tinham me olhado antes, quase como se eu fosse uma obra de arte a ser contemplada e a ser devorada também. Sempre o mesmo olhar malicioso e pervertido, divertido e desejoso. Me sentia uma deusa não tão santa. Eu era má.
No banheiro da nossa suíte, um quarto de hotel no centro - cenário de muitas noites mal dormidas e bem aproveitadas; eu via o quanto o espelho agora era frio, quando eu finalmente percebia que não tinha mais ninguém me esperando encostado no caixilho da porta, sorrindo. Abaixei a cabeça e chorei.
Senti o seu perfume, seu toque uma última vez. Ele me abraçava e me dizia, com um português de forte sotaque irlandês, que tudo estava bem. Me virei depressa demais tentando ainda ver, com um fio de esperança, seus cabelos castanho-claros desgrenhados, mas era uma ilusão. No desespero de amar, eu havia quebrado um frasco de colônia.
Ajoelhei, e peguei um daqueles cacos de vidro estilhaçados no chão. Era a colônia que ele tinha me dado, quando dividimos pela primeira vez um quarto de hotel, em Londres. Ele adorava quando eu usava aquele perfume. Nossas madrugadas londrinas eram insanas, ao som de Iron Maiden e Ramones. Todos os dias, ele me acordava, me beijava e me amava e tudo o que eu podia fazer era nada. Só permitia.
Tudo agora na minha vida era uma ilusão.
Hoje, eu acordei cedo e fui ver o mundo pela janela. Eu vi o nascer do sol, eu vi a cidade acordar sob meus olhos, eu vi o fluxo de carros se intensificando conforme as pessoas iam despertando e indo trabalhar. Eu vi a Torre Panorâmica brilhando na manhã e eu vi a Serra do Mar, sempre quieta e impassível. E, naquele momento, eu desisti.
O pedaço de vidro era frio nos meus dedos, e o cheiro de colônia era forte. Era francesa. Aquele caco vermelho chegava a ser engraçado, tão rubro quanto o meu sangue. A embalagem do perfume tinha sido uma rosa, agora era uma arma. Minha arma.
Olhei para frente e vi, mas dessa vez eu tive certeza. Era ele, e ele me chamava para perto de si.
O acidente tinha tirado de mim tudo o que eu mais precisava. O helicóptero que ele sonhava pilotar tinha caído e arrancado nossas vidas.
Eu já não chorava.
Peguei o caco de vidro com a mão direita e encostei no pulso da esquerda. Sem pensar muito, apliquei todas as minhas forças, todas as minhas dores e todos os meus desesperos naquele golpe final contra o fantasma que eu chamava, nas últimas semanas, de vida. Senti a ponta de vidro rasgando minha pele, minha carne e minhas veias, enquanto eu estraçalhava meu braço. Gritei.
Senti o fantasma da minha vida desvanecendo junto com o sangue que escorria e já tingia a cerâmica da suíte de um vermelho muito escuro. Soltei o pedaço de vidro e caí sobre a minha própria tinta rubra no chão. Fechei os olhos.
Só então eu acordei e vi ele, sentado ao meu lado. Me olhava como me olhou da primeira vez. Seus olhos, contas negras que revelam o infinito. E eu estava ali, no lugar que sempre pertenci desde a criação dos tempos. Nem Céu, nem Inferno. Um paraíso, só nosso, por toda a eternidade.

domingo, 27 de maio de 2012

Rotas Aéreas

Sempre gostei de observar aviões.

E agora, mais que nunca, teria a oportunidade de ficar o dia inteiro olhando para eles, se quisesse. Morar relativamente próximo ao Aeroporto me proporciona ouvir o barulho que eles fazem quando estão em baixa altitude, normalmente quando pousam. Descobri, por dedução, que no céu sobre a minha casa há uma rota de pouso.

Hoje, lá pelas 19h, subi no último andar da casa, lugar que eu chamo de A Torre, coloquei o fone de ouvido, liguei o celular e deixei as músicas tocando randomicamente. Abri a janela e fiquei observando o trânsito frenético da Comendador Franco, a uns 500m de onde eu estava e, que mesmo a essa pequena distância, não faz tanto barulho quanto parece. De repente, ouço um barulho de avião (mesmo com o fone de ouvido, que tinha volume baixo) e olho para a esquerda, de onde vem surgindo duas luzes vermelhas e uma branca, piscando. Fiquei observando, obviamente aquele avião estava decolando, tinha baixa altitude e estava subindo, vindo na direção em que me encontrava. Quanto mais eu olhava, mais parecia que estava traçando um curso para o norte. Quando, do nada, virou para o oeste e começou a fazer um "balão" aéreo. Enquanto isso, surgiu outro avião logo atrás, que começou a fazer o mesmo percurso. Estava tocando Hard to Starboard nos meus ouvidos. Sensação estranha essa que eu senti. Pensei que naqueles dois aviões poderiam haver pessoas que estavam deixando suas casas e famílias aqui e que jamais voltariam. Talvez tivessem pessoas indo para uma simples reunião de negócios em outra cidade e amanhã já estariam aí novamente. Ou então, pessoas que estavam fazendo suas tão sonhadas viagens ao exterior, dentro de uma aeronave pela primeira vez. 
Imaginei tudo isso ouvindo uma das músicas mais desesperadoras que eu conheço. Senti que um dia poderia ser eu, ali em um daqueles aviões, fazendo exatamente a mesma rota aérea que eles, deixando minha família, minha terra, tudo o que eu conheço, para me jogar de cabeça no sonho que desde criança tenho de viver algum tempo fora do Brasil. Em Belfast - hardtostarboard,hardtostarboard tocando -, Frankfurt ou Vancouver. Maldito desespero e sensação de vazio, pânico. A música dava um tom bem dramático em tudo. A Torre estava escura, não havia luz lá em cima que eu pudesse acender. Parecia mesmo que era eu lá no ar, voando para longe, deixando tudo para trás. Podia sentir meus dedos molhados na face e depois ver as lágrimas brilhando na minha mão, pela luz bruxuleante da rua. 
Suponho que foi nesse momento que o último avião estava já tão alto que quase não era mais possível ver suas luzes piscando, já tinha há muito terminado seu contorno aéreo e agora rumava para leste. Antes eu havia me perguntado porque esses aviões tinham que fazer essa manobra, sendo que seria muito mais fácil virar direto para a direita, sentido leste, mas depois pensei que devia ser por algum bom motivo de segurança que eu desconheço. Mas, de qualquer modo, eu continuava seguindo com o olhar as luzes da segunda aeronave, ainda imaginando que eu estava lá dentro, enquanto Hard to Starboard estava em seus segundos finais. No exato momento em que, mesmo me contorcendo ao máximo pela janela para continuar vendo o avião e ele desapareceu escondido pelo telhado da casa, a música melancólica acabou e começou a tocar a divertida Misunderstood. Foi perfeito. Foi exato. 
Fui invadida pela sensação de "pegadinha do Malandro" e acabei me perguntando como fiquei tão diferente durante os 6'51'' de Hard to Starboard. Lembrei como algumas músicas tem um poder incrível de alterar estados de espírito.

Enfim, mesmo após isso, não desisti do meu sonho de viajar para longe. A sensação de vazio foi aterrorizante, mas acho que isso as vezes é necessário para te por no chão e te lembrar que por mais perfeitos que pareçam os sonhos, eles não são um mar de rosas. (Ai que bontinho isso, tããão clichê!)

Não importa, talvez tudo isso tenha sido um mal entendido.